Teotônio
desceu do ônibus com passos lentos, quase como se o peso de sua memória
estivesse colado aos pés. Havia uma década desde que ele deixara Porto Velho,
fugindo da cheia devastadora de 2014, que tragara casas e esperanças, inclusive
as suas. Naquela época, a cidade parecia desmoronar sob o peso das águas
enfurecidas do rio Madeira. Na bagagem, carregava sonhos de uma vida nova,
longe da dor de ver sua terra submersa. Agora, ao pisar novamente no solo que
um dia chamara de lar, o ar parecia pesado, não só pelo calor sufocante, mas
por algo que ele ainda não conseguia nomear.
O
ponto inicial de seu reencontro era o marco zero da cidade, o complexo da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, símbolo de um passado que sempre o fascinara.
Havia algo de poético nas velhas locomotivas enferrujadas, nas linhas férreas
que pareciam sussurrar histórias de tempos imemoriais. Aquela era a sua conexão
com a história, com o rio que corria em frente, o mesmo rio que lhe arrancara
de sua terra. Na infância, costumava brincar por ali, imaginando-se um
desbravador, um construtor dos trilhos que um dia cortaram a selva. Agora, o
espaço estava reformado, revigorado, entregue novamente à população, como um
presente que o tempo lhe devolvia.
Ele
caminhou até a beira do rio, sentindo a brisa quente que acariciava seu rosto.
O sol já começava a se esconder no horizonte, tingindo o céu com tons de
laranja e vermelho. Teotônio esperava por aquele momento, o pôr do sol, como se
nele pudesse encontrar respostas para as perguntas que o atormentavam. Mas o
que encontrou foi uma cena desoladora: o rio Madeira, que um dia fora seu
consolo, sua inspiração, parecia agora desfalecido, como se o brilho das águas
estivesse sendo ofuscado por uma cortina densa de fumaça que pairava no ar. O
azul do céu, tão cantado no hino, transmutara-se em outra cor.
Ele
observou os ipês que enfeitavam a paisagem, suas flores amarelas tão vívidas e
vibrantes em contraste com a cinza opacidade que dominava o ambiente. Era um
contraste cruel, quase sarcástico. A fumaça das queimadas se infiltrava por
todos os cantos, como um manto fúnebre cobrindo o que restava de beleza.
Teotônio sentiu o peito apertar. A cada inspiração, parecia que sua alma se
contaminava, que a névoa tóxica também invadia seus pensamentos.
“Como
é possível?” ele murmurou para si mesmo, com a voz embargada. “Como é possível
isso, aqui, na Amazônia? A maior floresta tropical do mundo, e respiramos o
pior ar do mundo?”
As
vozes que lhe respondiam eram os sussurros das árvores em agonia, o murmúrio
das águas poluídas, o estalar dos galhos queimados. Para onde caminhava sua
cidade, seu estado, seu mundo? Parecia que cada passo dado para frente, cada
progresso proclamado, custava um pedaço da própria alma da floresta. Teotônio
fechou os olhos, tentando bloquear a visão dolorosa. O rio, o pôr do sol, as
flores dos ipês, tudo se apagava frente à fumaça que subia ao céu, disfarçando
o azul com seu véu acinzentado.
Ele
sentiu o coração pesado, carregando não apenas a saudade, mas agora a tristeza
de uma tragédia que não era visível a olho nu, mas que era sentida em cada
respiração. A tragédia de ver sua terra se afogando, não mais nas águas
furiosas de uma cheia, mas na escuridão silenciosa da destruição, na ganância
que transformava a vida em cinzas. Tudo fruto de um modelo de negócios que
condenava todas as pessoas a viverem isso, enquanto enchia um os bolsos de
dinheiros de alguns poucos.
Ali,
no marco zero, onde tudo começara, Teotônio sentiu que estava diante de um fim.
Não sabia o que faria, para onde iria, mas sabia que não podia ignorar o clamor
abafado de sua terra, que ainda ecoava nos seus ouvidos, como o som longínquo
de uma locomotiva que nunca se detém.