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segunda-feira, março 13, 2006

Gelda e suas histórias

Gelda, trinta anos, feia, solteirona, solitária profissional e extravagantemente imaginativa. Todas as noites, em sua casa, fantasiava, brincava com sua fértil imaginação. Não era uma pessoa muito sociável, detestava festas, noitadas etc., talvez por falta de assunto, pelo menos os assuntos que costumam “rolar” nas noites, ou talvez fossem as pessoas... Detestava televisão, provavelmente pelo incentivo ao consumismo desenfreado ou porque só tenha gente bonita em tudo: comercial, novelas e até nos telejornais. O que Gelda adora mesmo é ler e ir ao cinema. Seu gênero preferido, tanto na literatura como na sétima arte, é a ficção científica. É ali que encontra vasto material para seus delírios; a partir dali cria as histórias mais escalafobéticas.

Uma dessas histórias aconteceu certa noite, quando ela estava na sala de sua casa, sentada em sua poltrona. Acabara de ler o livro que estava, agora, fechado a seu lado. Tudo quieto, a luz um pouco estranha, como é a luz a todos que leem por horas a noite. De repente uma barata apareceu na parede. Gelda observou aquele inseto e deu asas a sua brilhante imaginação. Para Gelda aquela não era uma barata comum, se quer era uma barata, não. Aquele, com certeza, era um ser alienígena em sua cápsula. Na verdade, ela não estava vendo o ser, apenas sua pequena nave.

Aquele ser e sua nave, vieram de um planeta distante: “Oyryny”. Lá tudo e todos são minúsculos, falam sempre usando “Y” em todas as palavras e em todas as sílabas. Esses seres carregam consigo aparelhos para tornar-se do tamanho que quiserem. Neste caso, era mais interessante que este ser ficasse pequeno e sua cápsula ficasse em forma de “barata”, para não ser percebido pelos terráqueos. Mas, ela o percebeu e ele não sairá ileso dessa aventura.

Gelda pensa em como exterminar aquele terrível ser. “Talvez uma vassoura... Não, melhor prendê-lo. Seria um prato cheio para os cientistas”. Ela criou coragem e o abordou:

-- Sei que você está aí e já vou avisando: a casa está fechada, não tem saídas.

Na verdade, nem tudo estava fechado, havia uma janela aberta. Mas Gelda correu para fechá-la. Pronto! Agora sim, estava somente ela e aquele ser de Oyryny, em sua casa, que estava completamente fechada, não havia saídas.

Repentinamente ela pensou que o ser poderia utilizar o aparelho e tornar-se gigante, dessa forma poderia engoli-la. Em seguida refletiu: “Não, isso está fora de cogitação. Porque se o alienígena utilizasse o equipamento, provavelmente faria um som estranho e sua casa não era tão grande assim para que ele pudesse ficar gigante. Além do mais, se isso ocorresse, faria muito barulho e os vizinhos saberiam da existência daquele ser e toda a Terra seria alertada.”

Gelda o abordou novamente, de forma mais amigável:

-- Diga o que quer? Estou tentando ser sua amiga, pode confiar!

A barata permaneceu parada, estática.

Gelda levou outro susto: “Estaria o ser se preparando para atirar com o seu raio desintegrador?” Correu pra cozinha e pegou uma tampa de panela. Este seria seu escudo. Agora estava protegida. Tentou novamente falar com o alienígena, desta vez em sua língua:

-- yeyu syeyry aymyiygyay... Entendeu?

Aquela falta de resposta a deixava em nervos e ao mesmo tempo apavorada, pois não sabia as reais intenções daquele minúsculo ser. “Seria macho ou fêmea? Homem ou mulher? Seriam todos hermafroditas para não terem problemas com sedução, conquistas, sexo...?” Novamente se dirigiu ao alienígena:

-- Sei que parece frágil, mas está fingindo... O que vocês querem? Dominar a Terra?

O inseto parecia hipnotizado, não mexia nenhuma parte de seu pequeno corpo. Gelda queria alguma reação:

-- É, eu sei que parece ser apenas uma barata, mais não é. Conheço esses truques. Olhando assim, até que é uma cópia fiel de uma barata. Mas sei que se eu for aí, te dar uma chinelada, não será um “plac” que eu escutarei, mas sim um “boom!”, ou qualquer coisa parecida. Provavelmente expelirá um gás venenoso – e aí Gelda começou a delirar -, que primeiro irá cortar a minha circulação. Eu ficarei verde, vou começar a estrebuchar, me debater no chão até morrer. E assim vocês começarão a dominar o mundo. Mas eu, está ouvindo? Eu não deixarei.

As últimas palavras foram ditas aos gritos. E a barata, que não sei se escuta e nem me interessa saber, mexeu-se naquele momento. Gelda retrucou:

-- Então!... Assustou-se, ficou com medo? Vai fugir?

Gelda parou e pensou que pudesse ser uma estratégia daquele ínfimo ser para contra-atacar. Tomou coragem, foi mais próximo do inseto, digo, alienígena, e o olhou, ergueu a tampa da panela e bateu... O movimento produziu um som e a barata caiu morta no chão. Gelda concluiu:

-- Não é que me enganei, era uma barata mesmo!

Mas, no mesmo instante se recompôs e olhando ao seu redor tomou pé da situação e não perdeu sua linha imaginativa, ou delírio, como queira o leitor:

-- Eu sei que aqui tem um ser de outro planeta. Posso sentir seu cheiro, eu não me engano. A barata foi um artifício para se esconder, mas não me enganou...

E saiu pela casa procurando outro ser extraterreno.

sábado, março 11, 2006

O Enterro da Barata

Ói, esse causo que eu vou contá pro cês, eu num sei bem de onde é izatamente, quem me contou sabia o nome do sujeito e inté seu endereço, mai e eu só sei que acunteceu lá pras banda da Bahia, é sim sinhô.
Assucedeu o seguinte: Um hôme qui eu num sei o nome e morava pra`quelas bandas gostava muito de inseto, num sabe! E tinha um grande sonho:
-- Hôme eu crio de tudo, mas eu ainda vou ter uma barata gigante! – dizia ele.
Pois é, ele gostava de tudo qui era inseto e criava os monte dele. Pois o hôme num criô mermo uma barata gigante!
Rapaz, diz qu`é o seguinte: q`ele pegou uma barata novinha, piquininha, sabe? Bem miudinha mermo. A bichinha, lá, mirradinha. E ele dizia:
-- Você vai ser minha barata gigante.
E o hôme dava de tudo pr`essa barata cumê. E a bicha foi crescendo, foi crescendo e quando ele deu fé, a bicha tava enorme gigantona. Olhe, pra você me aquerditar, qui num é mintira – qui eu num sou pescador! –, a barata midia sete parmo de tamanho, por três de largura e pesava mais o meno uns cinquenta quilo. A bicha era grande mermo!
E o hôme mei doido da cabeça, só pudia sê doido, né? Pois ele vivia cum aquela barata pra riba e pra baixo, come se fosse a companheira dele. Era uma coisa absurda! Isso se deu lá pras banda ali do véio Chico, num sabe! É!
E todo mundo mangava dele. Mas ele num tava nem aí. O povo dizia:
-- Hôme deixe disso, largue essa barata pra lá João...
Tái, lembrei o nome dele: era João. Inté o final eu lembro é de tudo. Arre! qui minha cabeça já num anda muito boa, não, sô! Vocês num arrepare não.
Bom, cuma eu dizia, o hôme, o João, num sabe, era naquela doidera toda, pra riba e pra baixo cum aquela barata véia nojenta. Daí qui um dia assucedeu o pior, uma disgraça pra ele e filicidade pros vizin dele. Sabe o qui acunteceu? Sabe não, é? A barata morreu! É meu amigo, a barata morreu! O hôme se disisperou de uma tal manera que paricia qui tinha murrido arguém da famia. Bom, e pr`ele tinha mermo, né!? Porque, a tá da barata, era da famia dele.
E corre pra cá e corre prá lá, toca a ajeitá o interro da barata – onde já se viu, interro de barata! Pois o hôme quis interrar a bicha como se enterra gente.
E vai no macineiro, e tira as midida da barata, e toca ver terreno no cimitério... Aí é que a porca torceu o rabo! O bicho pego! E o bicho nesse caso num é a barata, não, é o causo todo mermo, né?!
Todo mundo abismado:
-- onde já se viu, interrar barata onde se interra gente?!
Num pode, né? Mas num pode mermo! Arre! Qui foi uma confusão dos diabo! Rapaz, cê num mi acredita, o hôme ainda fez pior. Além de toda aquela confusão, ele arrumou outra: além de querer interrar a barata no cimiterio ele teve a cara de pau, arrepare, de pidir pro pade dizer umas palavrinhas no interro da bicha.
Mas olhe, diz qui o padre ficou numa raiva qui paricia qui tava cum capeta no corpo. O padre ficou fulo! Quase derrubou a igreja! O padre ficou doido cum aquela cunversa!... Mas também, onde já se viu, pidir pra padre falar o latinório em interro de barata! Num pode não, num é?!
Pois bem! O padre ispulsô esse tal de João e ainda falou qui num ia deixar ele interrar a bicha lá no cimitério, não. “Que onde já se viu uma coisa dessa!”
Pois é, o povo qui já tava doido cum aquilo e agora intão qui o padre falô, piorou a situação pro lado do tal de João. Padre é autoridade, né não? Padre sabe mió qui ninguém, ora!
A bem da verdade acunteceu o seguinte: num é qui o hôme, esse tal de João, botô a bicha no caixão e como num pode ir pro cemitério, interrou no quitá da casa dele mermo. Pois é! Quem viu diz qui foi uma choradeira só. E tudo isso por causa de uma barata, ispie só, vê se pode? Pode não, né?! Diz também, que todo santo dia, o hôme levava frôr pro tumulo da bicha. Deus mi livre e guarde! Se tiver vivo deve de tá levando frôr até hoje pra barata!
Pois é, isso acunteceu lá pras banda do São Francisco, lá na Bahia. Pelo menos assim qui mi contaram, eu qui num faço uma dessa. Mais!!... uma barata! Faço não! Esse povo tem cada uma! É esse o causo qui eu tinha pra contar pro cês. E diz qui é verdade verdadeira!... Tem gente pra tudo nesse mundo de meu Deus!



Adailton 06/01/03 – 01:38 h