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segunda-feira, outubro 12, 2020

Dia da criança

 o homem magro

cabelos brancos

e caminhar trôpego

(culpa do álcool

ou da vida?)

repete insistentemente:

- eu já fui criança pequena...


infância roubada

vida desgastada

quarta-feira, outubro 07, 2020

vagas

 o planeta vivo

tantas vidas vivem

o bicho humano

vive de carregar a morte


macho megalomaníaco miasma

monocultor madrugador mortal

mentalidade mórbida macabra

matéria mesquinha maçaroca


vaticinar o vendaval

que varre a vida

em vagas vagarosas

varrer a vida humana


o ser humano anda

a morte comanda

varrer a vida humana

v rrer   vid  hum n


o ser humano  nd

  mort  com nd 

v rr r   v d  hum n

v rr r   v d  hum n


  ser h m n   nd

  m rte  c m nd

v rr r   v d  h m n

v rr r   v d  h m n

quarta-feira, setembro 30, 2020

a cerca

o vizinho denuncia

cerca elétrica

o ladrão espreita

sociedade suspeita

olhe o anormal

limpeza social


seca solidária

cercas, muros

220 volts

resolve, revólver

indiferença social

desigualdade, é normal?

domingo, maio 31, 2020

setembro

setembro
                o riso das mangueiras
no porto do velho
um velho porto
a aportar
                as dores da exploração
mercúrio a escorrer
                                por tuas curvas
Madeira

a abundância que anuncia
o riso das mangueiras
a força das gentes
o sofrer do dia a dia
a miséria
               de quem domina
escondido à sombra do poder

setembro
                ainda te espero florescer

                               

sexta-feira, maio 29, 2020

Madeira

a energia de tuas cachoeiras
fez-se elétrica
ah! Madeira
e eu nem conheci tuas quedas
e caí
         em tuas curvas
margeando, a procura
da Iara?
do teu ouro?

o caucho
os trilhos em meio a floresta
a dor Karitiana
a mistura de povos
a promessa de progresso
e nada resta...

vem cassiterita, ouro
agora vai
e nada fica

teu lindo pôr do sol
(que ainda resiste)
não esconde a dor do tucuxi
pela feiura do paredão da usina

terça-feira, maio 12, 2020

a criança...

a criança estende a mão
                                      pede?
o sol amazônico
calor do asfalto
                                     miragem?
coroa-lhe com espinhos

pés descalços a descaminhar
finos sapatos cruzam
a invisibilidade é cruz

a esquina-calvário espreita
"o amanhã, morre hoje!"

06/05/2020

segunda-feira, maio 11, 2020

amanhecer

o bem-te-vi
insiste em cantar
o que bem viu

ao longe, um galo
tece a manhã
sem outro a lhe ajudar

a cidade é dura
a carne é mole
galos e bem-te-vis, exceções

meu corpo grita
o dia acabou
o sol diz: começou!

domingo, maio 10, 2020

selma

céu mar
a obviedade do verso
clareia a fragilidade do poeta
em te cantar

nossa lenta descoberta
nosso rompante amar

mestra na arte de fazer sorrir
desmanchas tristezas
com o teu gargalhar

eu e você
dupla que virou trio
uma filha
nosso poema maior

vida, onda que vem e vai
encontro torto que nos faz
aconchego de teu colo
onde encontro minha paz

sábado, maio 09, 2020

A humanidade somos todos nós



Recentemente, após a morte de seu amigo Flávio Migliaccio, Lima Duarte  disse lamentar e entender o amigo que tirou a própria vida. Migliaccio afirmou em um bilhete que não cuidamos dos velhos e apelou para que cuidemos das crianças.

No Brasil, ultrapassamos a cifra de mais de 10 mil mortos pelo COVID-19. O Congresso decretou luto de três dias, porém é pouco. O executivo e sua equipe debocha da vida de brasileiras e brasileiros, enquanto as instituições acompanham caladas ou com pequenas manifestações públicas, sem tomar as atitudes necessárias e urgentes. A impunidade é um duplo assassinato. Mata-se duas vezes os mortos.

Quantas famílias não tem podido velar seus mortos? Pessoas que nunca mais verão aqueles corpos. Desde a Antiguidade, no Ocidente, nossos ancestrais lutam para velar os mortos e passar pelo luto. Pensemos na tragédia Antigone de Sófocles, por exemplo. Na Íliada de Homero, quando Heitor é morto por Aquiles e este arrasta seu corpo, é uma desonra. Príamo, o pai de Heitor e rei de Tróia, vai à cabana de Aquiles implorar para que este devolva o corpo de Heitor para que seja velado. Velar os mortos é finalizar a morte e a maneira dos vivos continuarem a viver após o luto.

A humanidade somos todos nós, em todas as nossas diferenças, em nossa luz e trevas. Em um mundo de vítimas e carrascos, somos responsáveis, como sociedade, pelos dois. Geramos os dois. Somos um todo na diversidade. Somos responsáveis pelo que acontece de bom e ruim. Saberemos enfrentar as trevas desse momento?

O que nosso trágico tempo tem demonstrado é que não fomos ainda capazes de nos educarmos como um único grupo a ocupar uma mesma casa. Sairemos suficientemente transformados para buscarmos essa mudança? Puniremos os carrascos e saberemos cultivar nossa memória para que eles não mais voltem?  

esquina

ali na rodoviária
                           (por o pé na estrada)
na esquina da dom pedro
                           (cabeça que não foi cortada)
a fome espreita
                           (vidas que não valem nada)
o sexo está à venda
                           (o amanhã é piada)

quantas esquinas há rodoviárias
no brasil, onde vidas valem nada?

roubada

pernas penadas pelas calçadas
pequenas, quase peladas

                           adiante, socos e pontapés
pernadas

- pega o trombadinha!

qual vida foi primeiro roubada?

quarta-feira, maio 06, 2020

janela

beijo a noite
                     brisa embala folha
vagalumes são cometas

boia o boto...

boia o boto e seus mistérios
de beleza e de encantos
curumim e cunhatã
yara e seus acalantos

o rio roça o barranco
movimento, sedução
o homem, pesado, triste
provoca degradação

plástico metal mercúrio
usina lixo esgoto
tudo ao leito, delírio

rompemos nosso contato
deixamos o natural
pela selva de croncreto

sexta-feira, maio 01, 2020

um rio...

um rio de fumaça
inundava o ar
a bala veloz
sempre a matar
indígenas, campesinos

deputado a discursar
defende esse progresso
onde vida não há

lá fora, ouço o riso
dos grandes capitalistas
e de seus lacaios de cá

o invisível a nos matar
pensam que a natureza
é algo que se possa domar.

terça-feira, abril 21, 2020

acerto de contas

meu amor
sei que andas por aí
pra que mentir?
corre a boca miúda
que estais a me iludir

confesso
tenho saído pra esquecer
um trago depois do outro
e acabo por me perder
perco-me em outras bocas
meio sem querer

é hora da verdade
vamos sentar e conversar
olho no olho, quanto tempo...
dar um basta nesse magoar
rever a nossa história
ter ou não a certeza
se ainda sabemos amar

anseio teu toque
será que esperas o meu?
os corpos não mentem
depois desse encontro
seguiremos a estrada florida
ou cada um, a seu modo
vai curar sua ferida

21/04/2020

quarta-feira, março 25, 2020

memórias

a juventude é heroica:
eu e um amigo
subíamos o monte
(onde se lia a cidade)
lá, víamos o todo
tudo mudávamos

no princípio era o verbo
sua força de construção
os destinos entrecruzados
seguem seus rumos
vidas e ideias mutáveis...

a cidade permanece
sem ser, mesmo sendo
palimpsesto das memórias
escrita concreta
das ações humanas

terça-feira, março 24, 2020

parasita

tu, que não vejo
organismo simples
marca e desespero

verme, parasita
te escondes matreiro
toxina que habita

sou teu hospedeiro
enquanto estou vivo
serás meu coveiro?

estás a me consumir
resisto a teu desejo
deixará de existir?

21/03/2020

segunda-feira, março 23, 2020

tempo, templo, corpo

era um tempo
era um templo
era um corpo

obscuro
liso
pecaminoso

era um risco
uma faísca
um desejo

a nos marcar
a nos avisar
a nos queimar

tempo, templo, corpo
tudo isso vai passar
o horizonte e o novo
quem irá apontar?

tempo, templo, corpo
e esse passado, que
insiste em nos marcar