Recentemente, após a morte de seu amigo Flávio Migliaccio,
Lima Duarte disse lamentar e entender o amigo que
tirou a própria vida. Migliaccio afirmou em um bilhete que não cuidamos dos
velhos e apelou para que cuidemos das crianças.
No Brasil, ultrapassamos a cifra de mais de 10 mil mortos
pelo COVID-19. O Congresso decretou luto de três dias, porém é pouco. O
executivo e sua equipe debocha da vida de brasileiras e brasileiros, enquanto as instituições
acompanham caladas ou com pequenas manifestações públicas, sem tomar as
atitudes necessárias e urgentes. A impunidade é um duplo assassinato. Mata-se
duas vezes os mortos.
Quantas famílias não tem podido velar seus mortos? Pessoas
que nunca mais verão aqueles corpos. Desde a Antiguidade, no Ocidente, nossos
ancestrais lutam para velar os mortos e passar pelo luto. Pensemos na tragédia Antigone de Sófocles, por exemplo. Na Íliada de Homero, quando Heitor é morto
por Aquiles e este arrasta seu corpo, é uma desonra. Príamo, o pai
de Heitor e rei de Tróia, vai à cabana de Aquiles implorar para que este
devolva o corpo de Heitor para que seja velado. Velar os mortos é finalizar a
morte e a maneira dos vivos continuarem a viver após o luto.
A humanidade somos todos nós, em todas as nossas diferenças,
em nossa luz e trevas. Em um mundo de vítimas e carrascos, somos responsáveis,
como sociedade, pelos dois. Geramos os dois. Somos um todo na diversidade. Somos
responsáveis pelo que acontece de bom e ruim. Saberemos enfrentar as trevas
desse momento?
O que nosso trágico tempo tem demonstrado é que não fomos
ainda capazes de nos educarmos como um único grupo a ocupar uma mesma casa. Sairemos
suficientemente transformados para buscarmos essa mudança? Puniremos os
carrascos e saberemos cultivar nossa memória para que eles não mais voltem?
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