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quarta-feira, setembro 11, 2013

Atitude suspeita


Cansado da viagem que fizera, ele deitou, em plena tarde. Pouco depois, foi arrancado da cama por um vozerio de pessoas ao lado de sua casa: choro de mulher, gritos de homens. Sem ser notado, olhou pela fresta da janela. Viu uma mulher magra, usando um vestido com alguns detalhes que pareciam flores. Parecia religiosa. Ela praguejava contra um homem negro, forte e com alguns machucados na fronte. Em volta do homem negro, outros o empurravam. Um policial tentava segurar o tumulto.
Ele ficou preocupado e resolveu sair. Percebeu que o tumulto parecia adentrar sua casa. Sua casa ficava em meio a duas ruas. Uma das quais, dava acesso a entrada de sua casa, a outra era vista pela janela, uma descida. Essa rua era na parte baixa. A casa tinha dois níveis e era possível acessar as duas ruas; na parte alta tinha uma pequena laje e servia para guardar suas tranqueiras. 
Ele subiu por dentro de sua casa e chegou a parte alta sem ser percebido. Quis acompanhar sem ser visto. Viu que estavam em sua laje, mas devido ao tumulto, poderia ter feito confusão, pois a laje de seu vizinho ficava no mesmo nível. Como ficou em um lugar escondido, não via muito bem as pessoas, mas era claro que eram as mesmas. De repente, um movimento de uma pá no ar e que acerta alguém. Silêncio. Seu coração gela. Pára. Entra na casa. Todos ali, ou quase todos, achavam que ele ainda estava viajando, pois voltou de ônibus. A esposa ficou com o carro.
Ele, conhecido por seus vizinhos como uma pessoa que se preocupa com o bem-estar social, que luta por mudanças nessa sociedade violenta e desigual. Agora, aquela violência, na sua frente e na sua casa. Pensou que não poderia ser nada também, afinal havia um policial junto, não havia? Ou ele não estava mais lá?
A parada de ônibus ficava ali perto, no mesmo lugar tinha um posto policial. Correu até lá. Foi primeiro no posto policial e perguntou sobre uma mulher, magra e que talvez tenha sido atacada ou roubada. O policial respondeu que já estava resolvido. Ele perguntou por ela. O policial afirmou que a mesma já estava de partida e apontou o ônibus, já fechando a porta. Ele correu mais rápido. Bateu na porta, pediu para que o motorista abrisse a porta. O motorista abriu, ele agradeceu e viu lá no fundo a mulher indo sentar. Perguntou se ela estava bem. A mulher, com o cabelo todo bagunçado - "da luta com o homem?" – respondeu com um tímido sorriso que estava tudo bem.
Ele quase sorriu. Deu às costas, agradeceu ao motorista e sorriu. Olhou o posto policial e tudo parecia normal, mas não reconheceu entre aquelas pessoas o homem que parecia segurar o tumulto. Ele continuava angustiado, pois nada lhe parecia normal: um homem poderia ter morrido! Tornou a olhar em volta. Tudo dentro da normalidade. Menos dentro de si.
Resolveu voltar para casa pela rua de cima, ir até a esquina e entrar pela rua de baixo. O seu vizinho com outro homem fazia algum trabalho no pequeno jardim. Cumprimentou-os e resolveu perguntar sobre o tumulto. O vizinho respondeu: “Agora já está tudo certo”. Procurou ver o que ambos faziam. Havia pequenos pedaços de carne sobre uma madeira revestida com papel alumínio. Em cima da carne, folhas de algumas plantas do jardim: "temperos?" Tudo indicava a preparação de um churrasco. O vizinho sorriu e disse: “quando cada um faz sua parte, tudo fica bem”! Ele não conseguiu sorrir de volta, fez um meneio com a cabeça e desceu a rua em direção à sua casa.
Entrou em casa, completamente sem ação, sem saber o que fazer e exausto. Parecia ter passado por uma batalha. Foi na laje onde pensou ter visto a pá em um movimento que acertara alguém. Subiu cada degrau sem vontade de chegar. Questionava-se: "e se de fato aconteceu?" A laje tem paredes em volta e alguns materiais encostados nas paredes, como telhas, ferros, e outras coisas, por isso mesmo é possível ficar lá sem que as pessoas em volta vejam que há gente ali.
Chegou à laje. No chão, uma grande mancha de sangue. Então era verdade... entrou em desespero, pensou, pensou, pensou muito. Caminha de um lado para o outro, subia e descia a escada. Quem deveria procurar? Todos à sua volta parecia saber e nada fizeram. Eram todos cúmplices? E se começassem a lhe perseguir?
Parou e pensou novamente. Depois de muito pensar, afirmou para si: "o que pode um homem contra uma comunidade?" Pegou a mangueira e foi lavar a sujeira.

06/01/12

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