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quinta-feira, dezembro 09, 2021

O grito

 -- Duvido! Disse ela, repetindo várias vezes, na esquina da rua. As pessoas esticaram pescoços e olhos na direção de onde veio o grito.

O homem recuou. À distância, parecia mais um caso típico, bem comum no Brasil, principalmente em nosso estado: mais um caso de violência contra mulher. Os dois - tratava-se de um casal ou apenas se cruzaram na esquina? - eram observados agora.

Andei na direção dos dois, de forma discreta, já que era uma esquina - se é que se pode ser discreto quando todos os olhos estão voltados na mesma direção para onde você se desloca, muito embora eu não fosse o foco.

Ela tornou a gritar:

-- Vem, vem!!

O rapaz, que já havia se afastado um pouco depois do primeiro grito, caminhou na direção da moça. Em minha cabeça as ideias pulavam de uma para outra, tentando firmar em alguma que pudesse resultar em alguma ação prática, caso houvesse violência física. Meu corpo apresentava sinais de nervosismo.

O homem se aproximou da moça e se abraçaram.

Interrogações. Eram um casal? Amigos? Por quê? Era algo combinado? Quem eram aqueles dois? Eu, e creio que todos aqueles olhos que mirava-os, se interrogaram. Aliás, outras pessoas já se aproximavam, também de forma discreta.

Ela olhou em volta e disse bem alto:

-- Hoje foi só encenação, mas todos os dias mulheres são agredidas por seus companheiros - fez um gesto amplo de aspas na palavra companheiro.

Os dois saíram abraçados. Eu me quedei um pouco paralisado, sem ação, impactado. Outros resmungavam palavras incompreensíveis. Segui meu caminho, alimentado pela ficção que rasgou o real, com alerta sobre uma dura realidade.

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