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quinta-feira, maio 30, 2024

O tempo vincado em nossas faces

Em um banco de praça, sob a sombra de uma frondosa árvore, sentavam-se dois velhos amigos. As tardes de primavera eram um alento para seus corpos cansados e suas mentes repletas de memórias. João e Pedro conheciam-se desde a infância, compartilhando uma amizade que resistira ao tempo e às adversidades da vida, nem sempre vividas juntas, mas sempre compartilhadas.

João, de cabelos brancos como neve e olhos que ainda brilhavam com a curiosidade de um jovem, suspirou profundamente. Estava reflexivo e saudosista, começou: "Lembra, Pedro, de quando subíamos naquelas árvores lá na fazenda do seu avô? Como era bom sentir o vento no rosto, a liberdade..."

Pedro, com seu rosto sulcado por rugas profundas que contavam histórias de batalhas vividas, sorriu nostalgicamente. "Lembro sim. E das tardes pescando no rio? Quantas vezes voltávamos para casa só com histórias para contar, porque peixe mesmo, raramente pegávamos".

Ambos riram com a lembrança, um riso que ecoava com a suavidade de folhas ao vento. É certo que passava por suas cabeças a pergunta: quantas primaveras mais? Por isso as palavras vinham pausadas, cada uma carregada de significados profundos, como se cada lembrança fosse um tesouro desenterrado do baú do tempo.

"Você já parou pra pensar, Pedro," João continuou após um momento de silêncio, "como nossas vidas foram moldadas por tantas coisas fora do nosso controle? As lutas, as crises, as perdas... tantas coisas nos foram tiradas, e mesmo assim, seguimos em frente."

Pedro assentiu lentamente, seu olhar perdido nas crianças que brincavam à distância, lembrando-se de sua própria juventude. "Sim, João, seguimos em frente. Mas não fomos nós que escolhemos, foi a vida que nos empurrou. Quantos sonhos tivemos que abandonar, quantas vezes tivemos que nos reinventar? Há que se seguir a caminhar!"

Um silêncio contemplativo pairou entre eles, enquanto os sons da praça preenchiam o ar. Os pássaros cantavam, as folhas farfalhavam, e o riso das crianças se misturava com o murmúrio da fonte próxima. A conversa, diferente de outros dias, ganhava tons mais melancólicos.

"Pedro, você acha que, no fim das contas, valeu a pena?" perguntou João, seus olhos buscando respostas nas profundezas dos olhos do amigo. Mas, ainda que não soubesse propriamente a resposta que viria do amigo, sabia, de algum modo, que indagar sobre o sentido da vida sempre nos leva a lugares profundos dentro de nós.

Pedro pensou por um momento antes de responder. "Sabe, João, eu sempre acreditei que a vida é como uma viagem de trem. Nem sempre controlamos o destino, muitas vezes perdemos coisas importantes pelo caminho. Mas as paisagens que vemos, as pessoas que encontramos, os momentos que vivemos... esses são nossos tesouros".

João acenou com a cabeça, encarou como sabedoria as palavras do amigo, embora no fundo tenha visto como certo clichê. Mas que resposta poderia ter após tantos anos de percalços, amores e alegrias construídas? Palavras nem sempre conseguem expressar o vivido e o que se sente, sobretudo em uma vida tão longa. Devolveu no mesmo tom: "Acho que você está certo, Pedro. A vida nos rouba muitas coisas, mas também nos dá outras tantas. E talvez, no final, sejam essas dádivas que realmente importam".

O velho amigo, com um olhar firme e sereno, concluiu: "Não adianta apressar a vida, meu amigo. Somos as sobras do que nos roubaram e um pouco do que conseguimos pegar pelo caminho. E talvez, isso seja o suficiente".

João sorriu, sentindo um calor reconfortante no peito por estar ao lado de Pedro, ele percebeu que, apesar de tudo, tinham vivido até ali uma vida rica e cheia de significados. Ali, naquela praça ensolarada, com o vento em seus rostos, eles encontraram certa paz nas memórias compartilhadas e na certeza daquela sólida amizade. Era continuar a juntar as sobras e os cacos do caminho, para ver se ainda era possível construir um bonito vaso. A praça e o velho amigo estariam ali a lhe acompanhar.

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