Tela, telas. Telas por todos os lados. Uma inundação de telas: celulares, computadores, TVs, painéis... o mergulho no virtual. Olhos secos. Realidade seca. A ilusão a nos preencher, enquanto esvazia o que somos. O logaritmo dita o ritmo. O futuro chegou, trazendo todo o passado opressor. Fios simbólicos invadem os corpos e roubam nossas subjetividades. Vidas cheias de vazio.
Publicação de contos, crônicas, poesias e artigos escritos por Adailtom Alves Teixeira (em artes Adailtom Alves). Outras redes: https://linktr.ee/adailtom.alves
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domingo, dezembro 12, 2021
quinta-feira, dezembro 09, 2021
O grito
-- Duvido! Disse ela, repetindo várias vezes, na esquina da rua. As pessoas esticaram pescoços e olhos na direção de onde veio o grito.
O homem recuou. À distância, parecia mais um caso típico, bem comum no Brasil, principalmente em nosso estado: mais um caso de violência contra mulher. Os dois - tratava-se de um casal ou apenas se cruzaram na esquina? - eram observados agora.
Andei na direção dos dois, de forma discreta, já que era uma esquina - se é que se pode ser discreto quando todos os olhos estão voltados na mesma direção para onde você se desloca, muito embora eu não fosse o foco.
Ela tornou a gritar:
-- Vem, vem!!
O rapaz, que já havia se afastado um pouco depois do primeiro grito, caminhou na direção da moça. Em minha cabeça as ideias pulavam de uma para outra, tentando firmar em alguma que pudesse resultar em alguma ação prática, caso houvesse violência física. Meu corpo apresentava sinais de nervosismo.
O homem se aproximou da moça e se abraçaram.
Interrogações. Eram um casal? Amigos? Por quê? Era algo combinado? Quem eram aqueles dois? Eu, e creio que todos aqueles olhos que mirava-os, se interrogaram. Aliás, outras pessoas já se aproximavam, também de forma discreta.
Ela olhou em volta e disse bem alto:
-- Hoje foi só encenação, mas todos os dias mulheres são agredidas por seus companheiros - fez um gesto amplo de aspas na palavra companheiro.
Os dois saíram abraçados. Eu me quedei um pouco paralisado, sem ação, impactado. Outros resmungavam palavras incompreensíveis. Segui meu caminho, alimentado pela ficção que rasgou o real, com alerta sobre uma dura realidade.
quarta-feira, dezembro 08, 2021
acabou
que não começou
vamos bailar
é isso, meu amor
chega, vamos parar
chega de tanta dor
não quero mais
todo esse horror
vamos pôr a cabeça pra fora
sair desse buraco profundo
vamos seguir em frente
sorrir e mudar o mundo
alegria é prova dos nove
nada de tristeza
curar essa ferida
vamos criar beleza
acabou o ano que não começou
chega, não quero mais tanta dor
segunda-feira, outubro 11, 2021
a aurora surgia
a aurora surgia
lenta e paciente
como felino em caça
a terrível surpresa, trazia
a tua partida
sem nenhuma despedida
domingo, outubro 10, 2021
poesia
poesia é imagem
arrancada da briga com a palavra
e da realidade dura
poesia é corpo que cai
provocando baque calado
entre a alegria de viver
e o medo do morrer
poesia é estrondo
entre querer e poder
entre desejo e desprazer
é fruta doce
em lindo amanhecer
mas também é
fruta podre na fome de viver
poesia é enquadramento
de alegrias e colores
o mundo e suas dores
terça-feira, outubro 05, 2021
menino
na faixa branca, a cruz
a realidade crua
vermelho e branco seduz?
a vida em segurança
o trânsito não conduz
o frágil desrespeitado
se vai mais uma criança
quarta-feira, setembro 08, 2021
era segunda
era segunda
era de dia
diálogo, não havia
via você indo
estava dormindo?
queria acordar
corda no pescoço:
pesadelo do amar
amarelo da saia
saía ao vento
veneno, doía
e você só ia
e eu miúdo
ficava
era segunda...
sábado, setembro 04, 2021
Atenção!
olha o gueto
essa gente ao relento
olhe, olhe bem à sua volta
pare e pense
e traga sua revolta
mudar o que permanece
fazer virar
a esperança aquece
vê se não esquece!
terça-feira, agosto 31, 2021
metamorfose
ao embrenhar-se
ao deixar de ser, sendo
da funda mata escura
eu sou o corpo e a seiva
que te acompanha
tudo era carne
fez-se a luz!
domingo, agosto 29, 2021
do outro lado
desvelo o verso
palavras revertidas
das formas batidas
do seu simples dizer
para revelar o ser
sábado, agosto 28, 2021
do choque
que grita das ruas
é um atropelo só:
dois carros sem luz
a violência do choque
já não bate o coração
sexta-feira, agosto 27, 2021
rio, palavra feminina
perco-me em tuas curvas
sensualidade faceira
meu rio madeira
procuro tua vulva
atiro-me da ribanceira
quinta-feira, agosto 26, 2021
domingo, agosto 22, 2021
aquele sol que só vendo
sente, o maior mormaço!
a mina de minissaia
ali, no maior amasso...
é visagem no asfalto
ou é amor no pedaço?
segunda-feira, agosto 16, 2021
ela partiu
sem deixar bilhete, sumiu
ninguém na vizinhança a viu
mandou-me a puta que pariu
fiquei chupando o dedo
sem perceber, fui seu brinquedo
amor meu, foi-se tão cedo
foi de repente, nem teve medo
volta, minha majestade
sem você eu sou metade
eu tremo, meu corpo arde
derreto por ti, beldade
você era o meu sonho
será que fui tão enfadonho?
o meu amor é sem tamanho
volta, até o gato anda tristonho
volta, sem você eu sou metade
por você, viro gelo ou tempestade
terça-feira, agosto 10, 2021
Porto Velho
de céu azul alaranjado
e um rio cor barro
tão maltratado
o leito cortado por máquinas
que sugam todo ouro
quanto mercúrio bebeste?
o trajeto interrompido
por duas usinas
que de tuas águas
faz a luz, ilumina
o sudeste do Brasil
e deixa teus filhos
quase na escuridão
Ah! Porto Velho
teu mormaço amazônico
queimando a pele e as retinas
de teus caboclos e caboclas
ribeirinhos e ribeirinhas
E teus filhos originários
por onde e como andam?
segunda-feira, agosto 09, 2021
olhava ao redor
era tanta tristeza
que sua gente passara
passara e passa
as noite sem lua
e o retinto de sua pele
provocava um desejo:
queria ser pretume
misturar-se à escuridão
domingo, agosto 08, 2021
acordar cedo todo dia
seguir a pé ou de trem
viver em correria
buscar goles de alegria
na compra do que não tem
entregando sua mais-valia
terça-feira, agosto 03, 2021
gaviões urubus e andorinhas
dividem o céu, dançam um bailado
asas que brincam em linda harmonia
enquanto o poeta cria, fantasia
aves, céu, nuvens, tudo emoldurado
emoldurado em lindo fundo azul
nos retirando do amargo real
fazendo daquele pequeno instante
um transporte veloz e instigante
para um convívio feliz, sem mal
sexta-feira, julho 30, 2021
quadra
há algo muito, muito ancestral no mar
vê-lo é relembrar que a vida veio de lá
sábado, julho 24, 2021
amigo...
quem você já perdeu
na morte programada
pelo incoerente?
não se acostume
nunca ao jair
empurre, empurre
até ele cair
população esclarecida
sim, derruba genocida!
quarta-feira, julho 07, 2021
A águia a e a galinha*
pega ainda filhote
* Tomei aqui a história narrada no capítulo 2 do livro de BOFF, Leonardo, A águia e a galinha. 34ª ed. Petrópolis/RJ, 2008. Por sua vez, Boff colheu a história de um educador de Gana, James Aggrey.
segunda-feira, junho 28, 2021
Eh vida...
Há que se avaliar
pelo bem do bom viver
com quem se vai juntar.
Sapo e cobra, ali na beira
em uma tarde ensolarada
combinaram de se encontrar
em uma noite enluarada
Sapo com os demais cantava
e a cobra a se achegar
olhos brilhantes a marchar
e o sapo paralisava
O beijo ocorreu no lago
fatal amor ocorreu
um único beijo
em que o sapo morreu.
domingo, junho 27, 2021
brasil 2021
depois que a terra tornou-se plana
depois que a boiada começou a passar
o que ainda nos restará?
se menina veste rosa
se menino veste azul
pra onde vão as roupas coloridas?
se covid é gripezinha
se meio milhão já não pode respirar
até quando vamos aceitar?
a guerra é contra todo o povo
para deixarmos de existir
havemos de resistir?
escolheram nos matar
nós, não morrer
quinta-feira, junho 17, 2021
eu vejo
daqui eu vejo
daqui eu vejo o pau queimar
se segura, véio
logo, logo
logo, logo o teu lucro vai acabar
todo povo da bera
sem ouro, sem agonia
vai viver na brisa
na fumaça da alegria
deixa tua brancura
tua ganância imoral
nosso grito de cura
será lar arboral
segunda-feira, abril 05, 2021
mais um dia...
só aumenta o sofrer
e ninguém suporta mais
genocida no poder
o país desmoronando
é tristeza meu irmão
a miséria grassando
e nos chamam de nação
não, eu não vou engolir
chega de choros e velas
pra fora já seu jair
chega de tantas mazelas
terça-feira, março 09, 2021
cardume
somos cardume na linha de frente
piracema na contracorrente
não aceitamos mais
recua teu chicote
que meu pensamento
é um grande archote
a todo tempo te fazem calar
te querem no mesmo lugar
vem comigo, força juntar
e esse grito soltar
somos cardume na linha de frente
piracema na contracorrente
vamos inverter o Brasil
escutar essa gente que é forte
indígena, ribeirinho e favela
gritar alto, superar a morte
piracema na contracorrente
somos cardume na linha de frente
segunda-feira, março 08, 2021
terça-feira, fevereiro 16, 2021
um rio
denso, que inunda o ar
e as balas tão velozes
sempre, sempre a matar
indígenas, campesinos
deputado a discursar
defende este progresso
onde a vida não há
lá fora, ouço o riso
dos grandes capitalistas
e de lacaios de cá
vírus a contaminar
pensam que a natureza
é bem simples de domar
domingo, fevereiro 14, 2021
barulho bom
chuva no telhado.
infanciasaudade
carinho de mãe
balanço na rede
ontem, o nordeste
hoje, vive no norte
chuvas torrenciais
carinho de mãe
pena, não tem mais!
sábado, fevereiro 13, 2021
quinta-feira, fevereiro 11, 2021
o homem...
sobre si
a procura do rabo?
só sabe andar
sobre os pés
perdeu seu bando?
primaz primata
sobrepesa sua dor
ainda cabe sonhar?
sem rabo, sem bando
sonha acordado
na esquina, perigo nefando.
sábado, janeiro 02, 2021
flores florirão
a pilha de mortos
revela o descaso
quantos "e daí" suportaremos?
quantos caixões mais teremos que fechar?
avôs, avós, tios, tias, mães, pais
filhos e filhas com histórias
da terra que cobre os mortos
(sementes da dor)
renascerá raízes profundas
caules fortes, flores florirão
a necropolítica perecerá
o amor, a vida vencerá!