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domingo, dezembro 12, 2021

Tela

Tela, telas. Telas por todos os lados. Uma inundação de telas: celulares, computadores, TVs, painéis... o mergulho no virtual. Olhos secos. Realidade seca. A ilusão a nos preencher, enquanto esvazia o que somos. O logaritmo dita o ritmo. O futuro chegou, trazendo todo o passado opressor.  Fios simbólicos invadem os corpos e roubam nossas subjetividades. Vidas cheias de vazio.

quinta-feira, dezembro 09, 2021

O grito

 -- Duvido! Disse ela, repetindo várias vezes, na esquina da rua. As pessoas esticaram pescoços e olhos na direção de onde veio o grito.

O homem recuou. À distância, parecia mais um caso típico, bem comum no Brasil, principalmente em nosso estado: mais um caso de violência contra mulher. Os dois - tratava-se de um casal ou apenas se cruzaram na esquina? - eram observados agora.

Andei na direção dos dois, de forma discreta, já que era uma esquina - se é que se pode ser discreto quando todos os olhos estão voltados na mesma direção para onde você se desloca, muito embora eu não fosse o foco.

Ela tornou a gritar:

-- Vem, vem!!

O rapaz, que já havia se afastado um pouco depois do primeiro grito, caminhou na direção da moça. Em minha cabeça as ideias pulavam de uma para outra, tentando firmar em alguma que pudesse resultar em alguma ação prática, caso houvesse violência física. Meu corpo apresentava sinais de nervosismo.

O homem se aproximou da moça e se abraçaram.

Interrogações. Eram um casal? Amigos? Por quê? Era algo combinado? Quem eram aqueles dois? Eu, e creio que todos aqueles olhos que mirava-os, se interrogaram. Aliás, outras pessoas já se aproximavam, também de forma discreta.

Ela olhou em volta e disse bem alto:

-- Hoje foi só encenação, mas todos os dias mulheres são agredidas por seus companheiros - fez um gesto amplo de aspas na palavra companheiro.

Os dois saíram abraçados. Eu me quedei um pouco paralisado, sem ação, impactado. Outros resmungavam palavras incompreensíveis. Segui meu caminho, alimentado pela ficção que rasgou o real, com alerta sobre uma dura realidade.

quarta-feira, dezembro 08, 2021

acabou

acabou o ano
que não começou
vamos bailar
é isso, meu amor

chega, vamos parar
chega de tanta dor
não quero mais
todo esse horror

vamos pôr a cabeça pra fora
sair desse buraco profundo
vamos seguir em frente
sorrir e mudar o mundo

alegria é prova dos nove
nada de tristeza
curar essa ferida
vamos criar beleza

acabou o ano que não começou
chega, não quero mais tanta dor

segunda-feira, outubro 11, 2021

a aurora surgia

 a aurora surgia

lenta e paciente

como felino em caça

a terrível surpresa, trazia

a tua partida

sem nenhuma despedida

domingo, outubro 10, 2021

poesia

 poesia é imagem

arrancada da briga com a palavra

e da realidade dura


poesia é corpo que cai

provocando baque calado

entre a alegria de viver

e o medo do morrer


poesia é estrondo

entre querer e poder

entre desejo e desprazer


é fruta doce

em lindo amanhecer

mas também é

fruta podre na fome de viver


poesia é enquadramento

de alegrias e colores

o mundo e suas dores

terça-feira, outubro 05, 2021

menino

o menino cruza a rua
na faixa branca, a cruz
a realidade crua
vermelho e branco seduz?

a vida em segurança
o trânsito não conduz
o frágil desrespeitado
se vai mais uma criança

quarta-feira, setembro 08, 2021

era segunda

era segunda

era de dia

diálogo, não havia

via você indo

estava dormindo?

queria acordar

corda no pescoço:

pesadelo do amar

amarelo da saia

saía ao vento

veneno, doía

e você só ia

e eu miúdo

ficava

era segunda...

sábado, setembro 04, 2021

Atenção!

atenção, fique atento
olha o gueto
essa gente ao relento

olhe, olhe bem à sua volta
pare e pense
e traga sua revolta

mudar o que permanece
fazer virar
a esperança aquece

vê se não esquece!

terça-feira, agosto 31, 2021

metamorfose


ao embrenhar-se
ao deixar de ser, sendo
da funda mata escura
escutou:
eu sou o corpo e a seiva
que te acompanha 
desde o princípio dos tempos.

tudo era carne
fez-se a luz!

domingo, agosto 29, 2021

sábado, agosto 28, 2021

do choque

essa poesia
que grita das ruas
é um atropelo só:

dois carros sem luz
a violência do choque
já não bate o coração

sexta-feira, agosto 27, 2021

rio, palavra feminina

 perco-me em tuas curvas

sensualidade faceira

meu rio madeira

procuro tua vulva

atiro-me da ribanceira


quinta-feira, agosto 26, 2021

domingo, agosto 22, 2021

aquele sol que só vendo

aquele sol que só vendo
sente, o maior mormaço!
a mina de minissaia
ali, no maior amasso...
é visagem no asfalto
ou é amor no pedaço?

segunda-feira, agosto 16, 2021

ela partiu

ela, certo dia partiu
sem deixar bilhete, sumiu
ninguém na vizinhança a viu
mandou-me a puta que pariu

fiquei chupando o dedo
sem perceber, fui seu brinquedo
amor meu, foi-se tão cedo
foi de repente, nem teve medo

volta, minha majestade
sem você eu sou metade
eu tremo, meu corpo arde
derreto por ti, beldade

você era o meu sonho
será que fui tão enfadonho?
o meu amor é sem tamanho
volta, até o gato anda tristonho

volta, sem você eu sou metade
por você, viro gelo ou tempestade

terça-feira, agosto 10, 2021

Porto Velho

Há um porto
Há um velho
Há Porto Velho
de céu azul alaranjado
e um rio cor barro
tão maltratado
o leito cortado por máquinas
que sugam todo ouro
quanto mercúrio bebeste?
o trajeto interrompido
por duas usinas
que de tuas águas
faz a luz, ilumina
o sudeste do Brasil
e deixa teus filhos
quase na escuridão

Ah! Porto Velho
teu mormaço amazônico
queimando a pele e as retinas
de teus caboclos e caboclas
ribeirinhos e ribeirinhas
E teus filhos originários
por onde e como andam? 
Mura, Karitiana 
kaxarari, karipuna...

segunda-feira, agosto 09, 2021

olhava ao redor

olhava ao redor
era tanta tristeza
que sua gente passara
passara e passa

as noite sem lua
e o retinto de sua pele
provocava um desejo:
queria ser pretume
misturar-se à escuridão

algo lhe ecoava:
"era a sobra e a continuidade
dos e das que foram roubados
de que adianta apressar a vida, então?"

depois de toda noite
é certo, vem o amanhecer
então, o melhor é brilhar
brilhar quando o sol nascer!

domingo, agosto 08, 2021

acordar cedo todo dia

acordar cedo todo dia
seguir a pé ou de trem
viver em correria

buscar goles de alegria
na compra do que não tem
entregando sua mais-valia

terça-feira, agosto 03, 2021

gaviões urubus e andorinhas

gaviões, urubus e andorinhas
dividem o céu, dançam um bailado
asas que brincam em linda harmonia
enquanto o poeta cria, fantasia
aves, céu, nuvens, tudo emoldurado

emoldurado em lindo fundo azul
nos retirando do amargo real
fazendo daquele pequeno instante
um transporte veloz e instigante
para um convívio feliz, sem mal

sexta-feira, julho 30, 2021

quadra


há algo muito, muito ancestral no mar
vê-lo é relembrar que a vida veio de lá
é mar, mar é o que há e levamos nos olhos
a salgada lágrima, é saudade do mar

sábado, julho 24, 2021

amigo...

amigo ou parente
quem você já perdeu
na morte programada
pelo incoerente?

não se acostume
nunca ao jair
empurre, empurre
até ele cair

população esclarecida
sim, derruba genocida!

quarta-feira, julho 07, 2021

A águia a e a galinha*

Era uma vez uma águia
pega ainda filhote
por um pobre camponês;
interrompendo sua sorte
criou-a como galinha
vida comum se avizinha.
Sua sina até a morte?

Eis, porém, que um certo dia
passou um naturalista
que aquele fato estranhou:
- Isso não é realista
águia em meio a galinhas
e criadas iguaizinhas
isso é surrealista!

O naturalista quis
ao seu habitat natural
aquela águia devolver.
- Ela agora é igual
a todo o galináceo,
diz o camponês eráceo
olhando o seu quintal.

Insistiu o naturalista:
- vamos fazê-la voar
para que conquiste o céu.
Ergueu a águia no ar:
- Voe, abra suas asas.
Mas, para as submissas
ela pôs-se a retornar.

E o campônio exclamou:
- Eis, galinha simplesmente!
Disse o naturalista:
- Sua natureza não mente,
a águia aos céus pertence.
Amanhã, sei, ela vence
insistamos novamente.

Cedo, na manhã seguinte
ao teto da casa subiu.
- Você é águia, voe, voe!
O naturalista agiu.
Mas, lá embaixo ciscando
e em minhocas bicando,
galinhas. A águia convergiu

para as suas irmãs.
- Viu? Ela virou galinha,
afirmou o camponês.
- Vou fazê-la andar na linha,
replicou o naturalista
- Primeiro ponto da lista:
águia nunca foi galinha.

- Amanhã ela vai voar
da águia, não vou desistir,
afirma o naturalista.
Cedo iria insistir.
No alto de uma montanha
recomeçou sua campanha
para efeito sortir.

Havia sol naquele dia.
- Ao céu você pertence
e não à terra, voe, voe!
A águia assim se convence
a luz do sol lhe penetrou
ganhou forças, logo voou.
O naturalista vence.

Seja galinha ou águia
não há ser mais importante
ambos tem sua natureza.
Já o ser humano, mutante
pode vir na vida ser
ambos e até convencer
nessa vida hesitante.

Mas quem nasce para águia
galinha jamais será.
A águia e seu espírito
a todes pertencerá.
Vamos abrir nossas asas
fazer dos céus nossas casas
e ninguém nos deterá. 


* Tomei aqui a história narrada no capítulo 2 do livro de BOFF, Leonardo, A águia e a galinha. 34ª ed. Petrópolis/RJ, 2008. Por sua vez, Boff colheu a história de um educador de Gana, James Aggrey.

segunda-feira, junho 28, 2021

Eh vida...

Eh vida, que vida é.
Há que se avaliar
pelo bem do bom viver
com quem se vai juntar.


Sapo e cobra, ali na beira
em uma tarde ensolarada
combinaram de se encontrar
em uma noite enluarada


Sapo com os demais cantava
e a cobra a se achegar
olhos brilhantes a marchar
e o sapo paralisava


O beijo ocorreu no lago
fatal amor ocorreu
um único beijo
em que o sapo morreu.

domingo, junho 27, 2021

brasil 2021

depois que a terra tornou-se plana

depois que a boiada começou a passar

o que ainda nos restará?


se menina veste rosa

se menino veste azul

pra onde vão as roupas coloridas?


se covid é gripezinha

se meio milhão já não pode respirar

até quando vamos aceitar?


a guerra é contra todo o povo

para deixarmos de existir

havemos de resistir?


escolheram nos matar

nós, não morrer

quinta-feira, junho 17, 2021

eu vejo

 daqui eu vejo

daqui eu vejo o pau queimar

se segura, véio

logo, logo

logo, logo o teu lucro vai acabar


todo povo da bera

sem ouro, sem agonia

vai viver na brisa

na fumaça da alegria


deixa tua brancura

tua ganância imoral

nosso grito de cura

será lar arboral

segunda-feira, abril 05, 2021

mais um dia...

mais um dia se passou
só aumenta o sofrer
e ninguém suporta mais
genocida no poder

o país desmoronando
é tristeza meu irmão
a miséria grassando
e nos chamam de nação

não, eu não vou engolir
chega de choros e velas
pra fora já seu jair
chega de tantas mazelas


terça-feira, março 09, 2021

cardume

somos cardume na linha de frente

piracema na contracorrente

não aceitamos mais

recua teu chicote

que meu pensamento

é um grande archote


a todo tempo te fazem calar

te querem no mesmo lugar

vem comigo, força juntar

e esse grito soltar

somos cardume na linha de frente

piracema na contracorrente


vamos inverter o Brasil

escutar essa gente que é forte

indígena, ribeirinho e favela

gritar alto, superar a morte

piracema na contracorrente

somos cardume na linha de frente


terça-feira, fevereiro 16, 2021

um rio

vejo um rio de fumaça
denso, que inunda o ar
e as balas tão velozes
sempre, sempre a matar

indígenas, campesinos
deputado a discursar
defende este progresso
onde a vida não há

lá fora, ouço o riso
dos grandes capitalistas
e de lacaios de cá

vírus a contaminar
pensam que a natureza
é bem simples de domar

domingo, fevereiro 14, 2021

barulho bom

o barulho bom:
chuva no telhado.
infanciasaudade
carinho de mãe
balanço na rede

ontem, o nordeste
hoje, vive no norte
chuvas torrenciais
carinho de mãe
pena, não tem mais!

sábado, fevereiro 13, 2021

quinta-feira, fevereiro 11, 2021

o homem...

o homem dar voltas
sobre si
a procura do rabo?

só sabe andar
sobre os pés
perdeu seu bando?

primaz primata
sobrepesa sua dor
ainda cabe sonhar?

sem rabo, sem bando
sonha acordado
na esquina, perigo nefando.

sábado, janeiro 02, 2021

flores florirão

 a pilha de mortos

revela o descaso

quantos "e daí" suportaremos?


quantos caixões mais teremos que fechar?

avôs, avós, tios, tias, mães, pais

filhos e filhas com histórias


da terra que cobre os mortos

(sementes da dor)

renascerá raízes profundas

caules fortes, flores florirão


a necropolítica perecerá

o amor, a vida vencerá!