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sábado, junho 01, 2024

A cidade

Joaquim nasceu e cresceu em uma pequena cidade do interior, cercada por montanhas e campos verdejantes. A vida ali era simples: ele ajudava o pai na lavoura e a mãe na venda de quitutes que fazia em casa. Os dias passavam lentos, marcados pelo canto dos pássaros e pelo tilintar das rodas das carroças puxadas por cavalos e bois que transportavam mercadorias.

Desde cedo, Joaquim sonhava em conhecer a cidade grande, da qual ouvia tantas histórias. Seus olhos brilhavam quando os mais velhos contavam sobre os arranha-céus que tocavam o céu, as ruas movimentadas e as luzes que nunca se apagavam. Então, quando completou dezoito anos, decidiu que era hora de ver com seus próprios olhos o que até então só imaginara.

Ao chegar à metrópole, foi como se tivesse entrado em um mundo completamente novo. Os prédios realmente eram enormes, as ruas fervilhavam de pessoas e o ritmo da cidade era frenético. Tudo parecia maior e mais rápido do que ele poderia ter previsto. No entanto, não foram os arranha-céus ou a correria que mais o impressionaram.

Logo na primeira manhã, enquanto caminhava pelas ruas ainda tentando se orientar, Joaquim se deparou com uma cena que o fez parar e refletir. Em uma esquina movimentada, viu um homem puxando uma carroça. A princípio, pensou que se tratava de um engano: "Não pode ser", disse a si mesmo, "pessoas puxam carroças aqui?".

Mas não era engano. O homem, de pele queimada de sol e roupas surradas, puxava com esforço uma carroça carregada de recicláveis. A cena se repetiu nos dias seguintes, com outras pessoas fazendo o mesmo. Algumas eram idosas, outras jovens, todos com a expressão cansada, mas determinada.

Joaquim não conseguia tirar os olhos daquelas pessoas. Na sua terra, eram os cavalos e bois que puxavam carroças, e sempre havia um cuidado especial com esses animais. Mas ali, na cidade grande, eram os próprios homens e mulheres que se submetiam a esse trabalho árduo.

Ele sentiu uma mistura de sentimentos: perplexidade, tristeza, indignação. A cidade que ele tanto sonhara em conhecer, a cidade das oportunidades, tinha um lado que nunca lhe haviam contado. A luta pela sobrevivência era cruel e implacável.

Passou a observar mais atentamente ao seu redor. Viu a desigualdade escancarada em cada esquina, nos contrastes entre os luxuosos prédios de vidro e as favelas amontoadas. Entendeu que, apesar do brilho e da imponência, havia uma tristeza latente, uma cidade que chorava silenciosamente.

Joaquim foi escarafunchando aquela realidade, olhando onde não se costumava olhar. Foi permitindo que choque de realidade o transformasse. Ele encontrou um albergue onde alguns dos catadores se reuniam e começou a conversar com eles, ouvir suas histórias. Descobriu que muitos eram migrantes, como ele, que vieram em busca de uma vida melhor, mas acabaram nas ruas.

Com o tempo, Joaquim começou a entender a complexidade daquela realidade e percebeu que a cidade grande era feita de múltiplas camadas, cada uma com suas próprias verdades e desafios. Por trás do brilho e da imponência, fruto de tanta riqueza, se esconde ou tenta-se esconder a miséria.

A cidade que o acolheu, com todas as suas contradições, ensinou-lhe uma lição: a aprender a olhar, uma capacidade de enxergar para além do aparente. Aprendeu que o canto da sereia é uma sedução antes de devorar sua presa. Porém, Joaquim logo aprender que saber enxergar é apenas o primeiro passo. A escada à sua frente estava apenas começando a se iluminar e revelar os primeiros degraus.

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